Monday, January 06, 2003


Receita do Ano Novo
(Carlos Drummond de Andrade)

Para você ganhar belíssimo ano novo,
cor de arco-íris ou da cor de sua paz,
ano novo sem comparação com o tempo já vivido
(mal vivido, talvez, ou sem sentido).

Para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo,
remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir a ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior).

Novo, espontâneo,
que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se passeia, se ama,
se compreende, se trabalha.

Você não precisa beber champanha
ou qualquer outra birita.
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas,
nem parvamente acreditar que,
por decreto da esperança,
a partir de janeiro as coisas mudem.

E seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações.
Liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados,
começando pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um novo ano que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo.

Eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você que o ano novo
cochila e espera desde sempre.